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A internet transforma o seu cérebro

O neurocientista Gary Small afirma que o uso de ferramentas digitais altera o funcionamento do cérebro. Agora, além da diferença de valores e preferências culturais, surge um novo fosso entre as gerações: o neurológico. Mas é possível superá-lo

Por: Lia Luz – Revista Veja – 12 de agosto de 2009

A internet não mudou somente a forma como as pessoas produzem, criam, se comunicam e se divertem. Ela altera o funcionamento do cérebro. Essa é a conclusão de um estudo conduzido pelo neurocientista americano Gary Small, diretor do Centro de Pesquisa em Memória e Envelhecimento da Universidade da Califórnia (Ucla). A pesquisa foi feita com voluntários com idade entre 55 e 76 anos. Eles foram submetidos a testes com ressonância magnética funcional enquanto pesquisavam na web. “Percebemos que a exposição à rede fortalece alguns circuitos neuronais. Com isso, fazemos mais com o cérebro, gastando menos energia. É como se tivéssemos a orientação de um personal trainer numa academia. Aprendemos a levantar mais peso realizando um esforço menor”, diz Small. A internet, observa o pesquisador, pode ser ainda uma fonte de exercícios para a mente, atenuando a degradação provocada pela idade. Mas tudo isso só ocorre com o uso moderado. A superexposição tem efeitos nocivos.

O senhor afirma que, desde que o homem primitivo descobriu como utilizar uma ferramenta, o cérebro humano nunca foi afetado tão rápida e dramaticamente como agora. Por quê?
Essa é uma consequência do uso dos computadores e, mais especificamente, da internet. Nossos circuitos cerebrais são formados por conexões entre os neurônios, chamadas de sinapses. A todo momento, esses circuitos respondem às variações do ambiente. Ao passarem horas em frente ao computador, seja para pesquisar, mandar e-mails ou fazer compras, as pessoas estão expondo o cérebro a uma enxurrada de estímulos. É por isso que o uso da tecnologia digital altera nossos circuitos cerebrais.

Quais as consequências da exposição aos estímulos digitais?
O uso da internet tem resultados positivos para o funcionamento do cérebro. Foi isso que constatamos no estudo com um grupo de voluntários com idade acima de 55 anos. Mas o problema vem com o exagero. Passar dez horas por dia na frente do computador pode reduzir nossa aptidão para o contato pessoal, como manter uma conversa face a face.

Como isso acontece?
Tecnicamente, a superexposição a estímulos constantes na internet afeta a maioria dos circuitos corticais e a camada externa da área cinzenta do cérebro, o que inclui os lobos frontal, parietal e temporal. O resultado disso é que ocorre um reforço nos circuitos cerebrais que controlam as habilidades tecnológicas. Mas os circuitos relacionados a habilidades sociais são negligenciados.

Que tipo de habilidade social perdemos?
A alta exposição à tecnologia parece diminuir a nossa capacidade de captar certos detalhes durante uma conversa. Deixamos de “ler” as informações não verbais existentes em um bate-papo, como a postura corporal, os gestos e eventuais nuances no olhar. Isso também foi constatado num estudo recente, realizado com 200 pessoas com idade entre 17 e 23 anos. O trabalho concluiu que, quando esses jovens estavam num game violento, havia redução na habilidade de reconhecer o contexto emocional de algumas situações. Enquanto jogavam, eles viam fotos de pessoas e não identificavam rapidamente se elas estavam prestes a chorar ou se franziam as sobrancelhas, numa expressão carrancuda.

Os jovens são os mais afetados por essa exposição excessiva à informação digital?
Sim. Muitas vezes, eles passam mais tempo na internet do que cultivando contatos sociais diretos. E o jovem, em pleno desenvolvimento, é mais vulnerável. Seu cérebro não desenvolveu completamente o lobo frontal, a seção que nos diferencia dos animais e controla pensamentos mais complexos e a nossa capacidade de planejamento.

Isso acentua as diferenças entre jovens e adultos?
Sim. Além da tradicional lacuna entre gerações, marcada pelas diferenças de valores, atitudes e preferências culturais, estamos testemunhando o aparecimento de uma lacuna cerebral dividindo jovens e adultos. De um lado, estão os nativos da era digital. Eles nasceram depois dos anos 80 no mundo dos computadores e nele mergulham 24 horas por dia, sete dias por semana. No outro segmento, estão os imigrantes digitais – aqueles que conheceram os computadores e outras tecnologias da era digital quando já eram adultos.

Quais as diferenças entre os dois grupos?
Os típicos imigrantes digitais, pessoas com mais de 30 anos, foram treinados de maneira muito diferente no que se refere à socialização e à aprendizagem. Fazem as tarefas passo a passo – e sempre uma por vez. Eles aprendem metodicamente e executam os trabalhos de forma mais precisa. Com habilidades mais acuradas para o contato social, são mais vagarosos na adaptação e no uso das novas tecnologias. Os nativos digitais são melhores ao tomar decisões rápidas e ao agrupar o grande volume de estímulos sensoriais do ambiente.

Num clique, conseguimos as informações que queremos. Isso nos faz refletir menos, nos torna mais impacientes? 


Creio que sacrificamos a profundidade pela amplitude. Como tendemos a procurar constantemente informações na internet, nossa mente pula de um site para outro. A tecnologia nos incita a seguir sempre adiante, em vez de nos fazer parar para refletir. Desenvolvemos uma espécie de staccato na forma de pensar e resolver problemas. Fazemos tudo numa tacada breve e seca. É possível que essa característica dos meios tecnológicos, quando combinada à exposição excessiva, nos leve a um aumento do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Também pode nos conduzir ao vício tecnológico.

O senhor diz que o excesso de tecnologia provoca stress e danifica circuitos cerebrais. Por quê?
Sob certo aspecto, essa revolução digital nos mergulhou em um estado de contínua atenção parcial. Estamos permanentemente ocupados, acompanhando tudo. Não nos focamos em nada. A atenção parcial contínua é diferente da multitarefa, na qual temos um propósito para cada uma das ações paralelas e tentamos melhorar nossa eficiência e produtividade. Quando prestamos atenção parcial continuamente, colocamos nosso cérebro num estágio mais elevado de stress. Ficamos sem tempo para refletir, contemplar ou tomar decisões ponderadas. As pessoas passam a existir num ritmo de crise constante, em alerta permanente, sedentas de um novo contato ou um novo bit de informação.

Isso ocorre nos sites de relacionamentos?
Sim. Qualquer tecnologia em excesso, tanto o Twitter como somente os e-mails, pode causar esse tipo de estado de excitação. Quando nos acostumamos a isso, tendemos a procurar o sucesso na perpétua conectividade. E isso alimenta nosso ego e senso de valor próprio. É algo irresistível. Nesse aspecto, as redes sociais são particularmente sedutoras. Elas nos permitem constantemente satisfazer nosso desejo humano por companhia e interação social.

Esse vício também atinge as pessoas mais velhas, os imigrantes digitais?
Recentemente, muitos imigrantes digitais mergulharam de tal forma nas novas tecnologias que perderam parte das habilidades de contato social. Eles sofrem dos mesmos sintomas de um típico nativo acometido pelo excesso de tecnologia: sentem-se isolados quando não estão on-line, têm dores de cabeça, problemas de atenção, além de irritabilidade e fobia social. Embora os imigrantes digitais tenham treinado suas habilidades sociais e a comunicação direta, o excesso de exposição à tecnologia pode desencadear um desequilíbrio na vida profissional e nos relacionamentos pessoais. Para resolver esse tipo de problema, as soluções variam de acordo com cada indivíduo, mas todas apontam para a busca do equilíbrio entre adaptar-se às novas tecnologias e alimentar nossas habilidades e sensibilidades humanas.

Sua pesquisa indica aspectos positivos no uso da internet.
A tecnologia traz problemas quando usada em excesso. Moderadamente, é nossa grande aliada. Minha pesquisa, feita com pessoas entre 55 e 76 anos, mostra que o uso da internet resulta em aumento significativo da atividade cerebral. Ele ocorre em áreas envolvidas no controle de tomada de decisão e no raciocínio complexo – aquele que nos diferencia dos animais.

E o que isso significa?
Significa que o uso da web pode fortalecer circuitos neuronais. Isso nos permite fazer mais com o cérebro, gastando menos energia. Após cinco dias de treino, todos os voluntários (mesmo os que não tinham familiaridade com a rede) mostraram maior atividade mental.

O problema é só da tecnologia?
Não. Um dia desses me escutei gritando com o meu filho adolescente: “Para de jogar essa porcaria de videogame e vem ver TV comigo”. Fazia horas que ele estava na frente do computador. Nossas tecnologias digitais nos permitem fazer coisas extraordinárias. Comunicamo-nos por meio de elaboradas redes sociais on-line, conseguimos vasta quantidade de informação num instante, trabalhamos e brincamos de forma mais eficiente e interessante. O impacto negativo potencial da nova tecnologia no cérebro depende muito do conteúdo, da duração e do contexto dessa exposição. Até certo ponto, penso que as oportunidades para desenvolvermos as redes neurais que controlam as habilidades de contato cara a cara, o que muitos definem como nossa humanidade, também estão sendo perdidas (ou, ao menos, comprometidas) à medida que as famílias se tornam mais fragmentadas. Talvez a tecnologia só ajude a afastar as pessoas. Existe uma frase, citada pelos céticos: “Minha avó dizia que a TV iria apodrecer meu cérebro – o que de fato aconteceu”. A verdade é que não sabemos o que acontecerá, mas precisamos reconhecer que a revolução digital traz efeitos bons e ruins ao cérebro. O importante é que ainda temos controle sobre aquilo a que escolhemos expor nossa mente.

Como será o cérebro no futuro?
Num futuro não muito distante, teremos a capacidade de monitorar e estimular a atividade de células cerebrais individuais. Cientistas já contam com aparelhos que fazem isso, por meio de uma proteína fotossensível, controlada por laser. Os raios poderão estimular os neurônios, por exemplo, caso ocorra algum tipo de lapso, como é comum em pessoas idosas. Em breve, também vamos checar e corrigir nosso circuito neural por meio de controles remotos, semelhantes aos usados nas TVs. Teremos também mínimos implantes na cabeça. Eles permitirão que nossa mente se conecte aos computadores. Farão com que as máquinas entendam os comandos do cérebro. À medida que nossos computadores ficarem mais rápidos e mais eficientes, e esses implantes se tornarem a norma, em vez de discutirmos a lacuna cerebral entre gerações, vamos debater as lacunas entre o computador e o cérebro humano. Esse é um tema que dominou a ficção científica por anos. Como se vê, o futuro pode ser a ficção atual.

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